domingo, 31 de julho de 2005

Ainda não...

Sem enrolar: vou postar (de novo) somente um texto meu e uma frasezinha.
Comentem!
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“Minha mãe mandou eu escolher...” ou “Entre a azul e a vermelha”
Lucas do Carmo Lima

A indecisão do homem é, realmente, uma coisa a se pensar. Em cada conversa, em cada beco, cada troca de roupa, cada escolha de livro, CD ou até mesmo companhia! Grandes catástrofes já foram causadas e evitadas por grandes homens com grandes dilemas... Os planos e as atitudes são bem pensados, bem medidos, bem pesados, e bem divergentes: isso é, basicamente, uma intriga, uma peleja, uma batalha interna pela supremacia do cidadão indeciso... São duas idéias que discutem entre si, e não chegam em acordo antes de qualquer arroubo de impaciência de seu portador, cuja angústia ou irritação estão, a esse ponto, insuportáveis.

Eu me considero um ás dos debates mentais, um Picasso na arte da indecisão. Seja pra escolher a meia mais confortável, o curso universitário que dará rumos à minha vida (pelo menos por enquanto), pra escrever alguma coisa mais ou menos sentimental ou “desabafatória”, apaixonada ou sisuda... Até pra terminar esse parágrafo bateu uma dúvida!

Duvidar é realmente minha segunda melhor habilidade, principalmente quando se trata das coisas que eu faço, penso ou sinto. Não chega a ser uma dúvida existencial, mas quase isso. É tão visceral que tem dias que eu acordo apenas para duvidar; e chega a ser perturbador, porque eu acabo não me suportando de tanto examinar caras, bocas, falas e escritas, procurando insinuações, entrelinhas, objetivos, indiretas, e qualquer coisa que possa se esconder por trás de um “ã-hã” ou “é mesmo?”. Não há cristão que agüente ficar quase automaticamente analisando minuciosamente pessoas por horas. Quando se dá conta, já é tarde, e já foi perdido um tempo precioso analisando puro ouro-de-tolo.

Se você der uma boa olhada, perceberá que a dúvida é o primeiro passo para uma indecisão. É só surgir aquela interrogação que despontam duas respostas, essencialmente antagônicas, cada uma em seu respectivo lado, tecendo e desmanchando argumentações dentro da sua cabeça. Às vezes eu até vejo as listas de justificativas, em confronto (coisa de maluco).

Eu sou bom nessas brigas internas, mas odeio isso. Queria ser mais decidido, ter mais iniciativa! Um simples telefonema chega a ser um tormento interno; o coração se aperta de tanta aflição, e, dependendo da pessoa escolhida, acaba por trazer uma irritação e uma perturbação! A indecisão é, de forma inconteste, algo que me faz sentir um menininho entre o maldito “clube do Bolinha” e a Luluzinha.

Por isso, por muitas vezes quem lê esses textos vai deparar-se com um instigante “não sei”. Não se preocupe, eu também não sou muito simpático a essa resposta, mas é a mais neutra (alguma dúvida disso?) e confortável que pode encontrar um indeciso devotado como eu. Meus amigos vão concordar comigo se eu disser que eles vão ouvir muitos “porque sim!” e “não tenho a menor idéia” se me botarem contra a parede em algum assunto mais delicado; se não concordaram agora, hão de concordar um dia...

Alguma dúvida?
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Lucas do Carmo Lima é... Digo ou não?
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Já diziam os antigos...
"Não acredite em ninguém que sempre diz a verdade" Elias Canetti

segunda-feira, 25 de julho de 2005

Fico devendo...

Gente, como eu não achei absolutamente nada científico, curto e interessante pra postar, vou postar só um outro texto meu, fruto das minhas madrugadas solitárias, e uma frase de alguém muito esperto!
Façam o sacrifício, comentem!
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Inspiração em lua cheia

Lucas do Carmo Lima

Hoje, mais uma madrugada fértil de sentimentos e entupida de paciência, estou escrevendo. Mas hoje tive uma luz diferente: a da lua. Mas não estou como seria um poeta de poemas, coberto pelo véu translúcido da inspiradora e noturna confidente do namorados... Não, não! Eu apenas fui lá fora e admirei aquela beleza de lua, branca, brilhante e...

Bom, já deu pra entender.

Por assim dizer, ouso considerar-me um aspirante a poeta de prosa, do texto corrido. Ainda não tenho, e acho que nunca terei, a capacidade de escrever algum poema em solo. Esse refino estético não faz parte do meu repertório; poema com meu nome só se for de intrometido e palpiteiro. E também prefiro uma escrita em tom de conversa, sabe... Eu não sou daqueles que papeiam por aí usando decassílabos em soneto, logo me compete escrever do jeito que eu falaria pra alguém.

Eu até já tentei escrever um poema sozinho, o que foi de uma petulância extrema. Foi o “poema” mais malfeito e artificial que li em toda minha vidinha. A minha prosa me soa mais sincera que meu parco esforço em versos, flui melhor; e também tem a coisa da naturalidade da conversa, a música informal das conversas me atrai de uma forma quase gravitacional. Sou capaz das coisas mais imbecis e irresponsáveis por uma boa conversa (quem conhece, sabe).

Aliás, devo deixar marcada aqui minha admiração pelos meus queridos amigos poetas. Não seria eu se não reconhecesse o talento e o feeling desses heróis e heroínas do poema bem escrito, a originalidade, do bom gosto e do conjunto da obra. São mentes assim que dilatam as cabeças dos leitores... Vertentes diferentes que convergem para a mesma meada: a da arte, como ela deve(ria) ser.

Um dia, creio eu numa aula sobre literatura, o professor expôs uma idéia muito interessante, a qual quero lembrar eternamente. Ele disse que aquela estrutura em versos e estrofes é o poema, enquanto poesia deve ser o sentimento, o âmago da obra. Digo que a poesia é aquela coisa que nos deixa ver, por detrás do estilo, da rima e das palavras, os olhos do poeta. Indo ainda mais longe, e utilizando uma audácia talvez já aos pés da de Giordano Bruno, posso dizer que “poesia” é “aquilo que só se diz com os olhos”.

A lua de hoje é cheia. Cheia de poemas, de beleza, da luz, e cheia, mesmo. A lua é o olho da noite, e talvez seja por isso que ela sussurre tanta poesia ao espírito do poeta, do homem. A lua pode recitar toda uma vida, assim como levar um apaixonado beijo de “boa noite” à minha Lua.

Estou girando; diz-se mesmo que a vida, assim como o planeta, dá voltas. Espero minha Lua assim como a noite espera sua lua. Espero estar chegando ao fim de um dia na minha, que vem ficando meio sem poesia, pra encontrar logo uma Lua na minha noite.
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Lucas do Carmo Lima é...
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Já diziam os antigos...
"Os olhos são as janelas da alma." Alguém muito sábio


segunda-feira, 18 de julho de 2005

Abafos e desabafos

Primeiro, o abafo: abafei o último post, gente! Leiam-no, que ele tá legal e fresquinho!
Depois, o desabafo: depois de redigir o post ao qual me refiro acima, me deu vontade de escrever, e saiu o que saiu. Ah, e se importa a alguém, meu humor melhorou um pouco (já respiro melhor, hehehe... Tá vendo!).
E não se esqueçam: comentem por favor! Obrigado, se comentarem...
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Berro no vácuo?
Lucas do Carmo Lima

Deu-me uma vontade de escrever...

Estava eu pensando agora: eu sou feliz? Porque, de uns tempos pra cá, venho me questionando sobre esse problema, que somente se resolve quando os pensamentos dele desviam e a gente acaba por enfiá-lo por debaixo do travesseiro, antes de dormir. Mas, enquanto a gente sente aquela maldita coceira dentro do ouvido, não há sossego.

Pelo começo: o que é felicidade? Ué, aquilo que nos faz esquecer de tudo e lembrar só dela, tanto a própria quanto a alheia. Quantas vezes um sorriso orelha-a-orelha já me irritou! Aquela felicidade transbordante; até os olhos sorriem; a pessoa transforma-se num arco sorridente... A minha vontade é de socar essas pessoas, de vez em quando. E, depois de uma boa e raivosa sova, bradar ainda babando colericamente: Olha a sua felicidade agora!; Ri agora, vai!

Inveja é uma desgraça mesmo, né? É um dos braços fortes da infelicidade... Quando você se ouvir murmurar por entre os dentes rangentes pérolas como “Até parece que tá tão feliz assim...” já terá sucumbido, sem recursos ou contragolpes; aceitar o fato facilitará as coisas, já que condenar a inveja própria é condenar sua face oculta, parte imutável e, lamentavelmente, arredia. Lamentavelmente não! Mas ainda bem que arredia; os mais comedidos explodiriam diante da pressão desses sentimentos amorais represados, se isso fosse possível.

Ah, a raiva! Um dos piores humores, e dos mais teimosos e obstinados humores! Mas eu falo da raiva brava mesmo, aquela que a felicidade dos outros planta na infelicidade da gente. É daqueles que nos levam ao caminho anárquico da vingança fervente (aquele que disse que a vingança é um prato que se come frio era um belo dum mentiroso; a vingança a gente esquenta em banho-maria, isso sim!), mas corrói os angustiados... A raiva é pra ser um tapa na cara do mundo (ou de todo mundo), não na cara do próprio raivoso (desculpem-me, angustiados, a crítica foi inevitável).

Bom, falava de ser feliz... Acho que não sou feliz por completo, sabe... É, não ainda... Falta-me uma coisinha que me causa inveja e raiva (ou infelicidade)... Não sei nem se consigo escrever isso! Pra mim é difícil dizer esse tipo de coisa, sabe... Aquilo que aflora nos puros corações apaixonados, que aquece os espíritos e amortece as quedas, que, enfim, é... Já entenderam, aposto! Então, é isso que me falta, compartilhar isso! Não me basta o céu, quero as estrelas! Imaginar os momentos, eu já o fiz; falta viver, vivenciar...

Falta, da felicidade, a parte mais complicada, as quatro letrinhas... Oh, pedaço de mim! (Chico, desculpe-me você também, que sua palavra merece melhor abrigo) Quando está mais próximo, parece ainda tão escorregadio... Caminhos tortuosos levam também a destinos certo; falta-me percorrer o caminho. Iniciativa? Decisão? Ação? Devem faltar também, sem ou com dúvida... Barreiras? Não acho tão intransponíveis assim. Mas há o outro lado, o outro elo, a metade (que chavão horrível!) que teima em ir e vir e ir!

É recíproco? Paciência não me falta; e a ela? Que coceira nos ouvidos!
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Lucas do Carmo Lima sou eu mesmo, quem quer que eu seja pra você.

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Já diziam os antigos...

"Tudo vale a pena se a alma não é pequena." Fernando Pessoa

Berro no vácuo?

Fruto da (in)decisão, vou postar uma obra de Bertold Brecht, adaptado para o programa Provocações, da TV Cultura. Alíás, foi do site do programa (http://www.tvcultura.com.br/provoca) que tirei o texto. Ele será a arte, o artigo e a frase desta postagem. Satisfeitos? (Desculpem a falta de bom humor.)
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Se os tubarões fossem homens
Bertold Brecht

Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais.

Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias, cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.

Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos.

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.

Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.

Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.

As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que entre eles os peixinhos de outros tubarões existem gigantescas diferenças, eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nos quais se poderia brincar magnificamente.

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.

A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos .

Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.

Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.

Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante.

Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.
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Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas pelo seu comunismo militante.

domingo, 10 de julho de 2005

Dia Mundial da Pizza!

Hoje eu estou feliz!
Então vou ser breve: hoje vou colocar a letra da música "Samba em Prelúdio", de Vinicius de Moraes e Baden Powell, que é sublime, pra não dizer supimpa! Fala por mim, pra mim; é uma beleza (quem conhece a música sabe do que eu estou falando)! E vocês vão ver também: um artigo interessantíssimo do Moacyr Scliar sobre ritmo e poesia (um dos motivos de escolher a música), e, ao invés da frase tradicional, vou postar um poeminha dum poetinha português muito inteligente mas muito azarado.

Sirvam-se, e digam se foi bom pra vocês...
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Samba em prelúdio


Vinicius de Moraes / Baden Powell

Eu sem você
Não tenho porquê
Porque sem você
Não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar


Eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém


Ah, que saudade
Que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querida
Os meus braços precisam dos teus
Teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinho
Tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém


© Tonga Editora Musical LTDA / Direto

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:: literatura - por Moacyr Scliar

O tempo e a literatura

O mito, matriz da poesia e da narrativa, é antídoto contra a ansiedade existencial

É difícil dizer qual o gênero literário mais antigo, mas eu posso apostar na poesia. Não por causa da beleza formal ou das metáforas, mas pelo ritmo. De fato, escutando um poema, a primeira coisa que nos mobiliza é exatamente o ritmo. Que é um componente importante de nossas vidas: há o ritmo cardíaco, o respiratório, e o circadiano (da expressão latina circa diem, "cerca de um dia"), resultado de um ciclo biológico que nos faz dormir ou nos mantém despertos. Um relógio interior cujo funcionamento já está programado em nosso genoma e do qual nos damos conta quando o esquema habitual de nossas vidas é alterado, por exemplo, pela mudança de fuso horário. Esse relógio, localizado no hipotálamo, região do cérebro, marca o nosso ritmo, componente essencial do poema do corpo.

Poesia não é só ritmo, poesia são palavras. Palavras também são componentes essenciais da prosa. Três delas são imprescindíveis: era uma vez. Toda literatura nasce como narrativa e sempre nos remete ao passado, que é o tempo preferido pela maioria dos autores. E por que a literatura nos remete ao passado? Porque tem a mesma origem do mito, esta explicação fantasiosa dos fenômenos da vida e da Natureza. O homem precisa do mito, espécie de antídoto contra a ansiedade existencial. Ora, o passado é o depósito dos mitos. Num mítico passado, coisas maravilhosas aconteciam, em lugares como o Paraíso Terrestre, ou o Monte Olimpo. Durante muito tempo a humanidade viveu com a noção de um tempo imobilizado, em que o passado, o presente e o futuro se confundiam.

Com a modernidade surge uma nova concepção de tempo e de espaço. Na Antigüidade e na Idade Média não havia a preocupação com um registro temporal preciso. Existiam os relógios de sol e os de água, as ampulhetas e outras formas de cronometria, que não estavam, contudo, ao alcance do comum das pessoas. Nessa conjuntura os sinos das igrejas e dos mosteiros desempenhavam papel importante, dando as horas e também anunciando ameaças.

À medida que a atividade econômica se expandia e as cidades cresciam, surgia a necessidade de maneiras mais precisas e individualizadas de marcar o tempo. No curso do século XIV os relógios mecânicos tornaram-se mais comuns na Europa. No começo eram grandes relógios públicos nas torres das igrejas. Substituíam os sinos, mas, para que continuassem cumprindo seu papel religioso, traziam uma inscrição: Mors certa, hora incerta, a hora pode ser incerta, mas a morte é certa. Surgiram, mais adiante, os relógios domésticos e individuais. E eles mexeram com a cultura, introduzindo um novo modo de vida. As atividades de várias pessoas distantes umas das outras agora podiam ser coordenadas em função de um horário preciso. Era uma forma de controle e de autocontrole que abrangia até a vida emocional. Ou seja: ao tempo biológico, o tempo dos ritmos internos, e ao tempo dos ciclos da Natureza (o dia e a noite, sucessão de estações) somava-se agora o tempo social.

Essas mudanças no conceito de tempo refletiram-se na literatura. A partir do século XII um novo gênero começa a surgir, escrito nas línguas derivadas do latim, ou românicas, e por isso conhecido como romance. As narrativas agora não são míticas ou sagradas; têm a ver com pessoas reais ou imaginárias. Essa tendência iria num crescendo, até o século XIX, que marcou o auge do romance, a afirmação do individualismo no literatura. O romance é o espelho ficcional que reflete a pessoa, inclusive a maneira como esta encara o tempo. O tempo exterior é deslocado pelo tempo interior. Ao tempo biológico, ao tempo da Natureza, ao tempo social junta-se assim o tempo psicológico, governado pelas fantasias internas - os mitos que fabricamos. Fecha-se assim um ciclo.
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MOACYR SCLIAR é médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.
FONTE: Revista Viver Mente & Cérebro, ano XIII nº 148, de maio de 2005; página 98. Site: www.vivermentecerebro.com.br . ISSN 1807-1562. Duetto Editorial, São Paulo, SP, Brasil.
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Já diziam os antigos...

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?" Luis Vaz de Camões

sexta-feira, 1 de julho de 2005

Para a próxima...

Cumprindo minha meta, começa aqui minha atualização semanal. E, descumprindo uma vontade minha e uma pequenina porém significativa promessa aos meus caríssimos colegas, não vou colocar um "poeminha-letra de música" que eu fiz, já que eu procurei, procurei, procurei, mas não o achei (em minha própria quitinete) - parece mentira, mas é a mais pura verdade! Bom, deixemos as possibilidades e trabalhemos agora com as realidades: eu vou postar hoje um poema de uma densidade impressionante (leiam muitas vezes, repetidamente, para um entendimento pleno da mensagem filosófica da obra - e ouçam a linda versão com o grupo Boca Livre, no álbum "Arca de Noé", 1980, Vários artistas, Polygram/Philips) e um texto muito interessante do livro "Psicologia: Uma (nova) introdução". Critiquem, opinem, comentem!
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A casa
Vinícius de Moraes
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.
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in Poesia completa e prosa: "Poemas infantis". Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998
in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro". Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998
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A Psicologia como profissão e como cultura
O psicólogo: funções e mitos
A profissão de psicólogo esteve inicialmente ligada aos problemas de educação e trabalho.
O psicólogo "aplicava testes": para selecionar o "funcionário certo" para o "lugar certo", para classificar o escolar numa turma que lhe fosse adequada, para treinar o operário, para programar a aprendizagem, etc. Todas essas funções ainda são importantes na definição da identidade profissional do psicólogo e mostram claramente como até hoje a vinculação das psicologias às demandas do Regime Disciplinar são importantes.
Mas hoje, quando se fala em psicólogo, o leigo logo pensa no psicílogo clínico, e quem se decide a estudar psicologia quase sempre é com a intenção de se tornar um clínico. Embora durante muitos anos essa especialização nem existisse legalmente, atualmente é a principal identidade do psicólogo aplicado. Enquanto o psicólogo do trabalho ou das organizações serve à indústria ou a qualquer outra instituição, procurando torná-la mais eficiente, e, enquanto o psicólogo escolar serve ao sistema educacional, procurando torná-lo, também, mais eficaz, o psicólogo clínico costuma estar a serviço do indivíduo ou de pequenos grupos de indivíduos.
Parece realmente que é a crise da subjetividade privatizada que incremente a procura pelos serviços da psicologia clínica e faz com que o psicólogo clínico acabe se tornando uma figura quase popular entre certas camadas da população.
O psicólogo aparece para muita gente como uma espécie de adivinho ou de bruxo, que descobre rapidamente quem somos e produz mudanças mágicas no nosso jeito de ser. É bom que todos saibam das dificuldades que tem o psicólogo para entender a sua própria ciência e a sua própria pessoa. Aí, talvez, esperem menos dele...
Alguns psicólogos clínicos, principalmente alguns psicanalistas menos sérios, viraram conselheiros sentimentais e modelos de comportamento charmoso. Aparentemente, nada disso teria a ver com a psicologia como ciência. No entanto, além de sua pretensão à cientificidade, a psicologia é, também, um ingrediente da nossa cultura. Isto quer dizer que é cada vez mais freqüente que as teorias psicológicas se popularizem e sejam assimiladas pelo linguajar popular e que as pessoas cada vez mais pensem acerca de si e dos outros com termos emprestados das escolas psicológicas.
Ao serem incorporadas à vida quotidiana de algumas camadas da população, "as psicologias" convertem-se quase sempre numa visão de mundo altamente subjetivista e individualista. Com isso, queremos dizer que mesmo as teorias psicológicas que não se restringem à experiência imediata de subjetividade individualizada, como a psicanálise, ao serem assimiladas pela sociedade, têm se tornado uma forma de manter a ilusão de liberdade e da singularidade de cada um, em vez de compreender e explicar o que há de ilusório nessas idéias. É assim que a psicologização da vida quotidiana tem nos levado a pensar o mundo social e a nós mesmos a partir de uma visão bem pouco crítica.
A psicologia popularizada tem servido para sustentar a palavra de ordem "cada um na sua, pensando os seus problemas e defendendo os seus interesses e a sua felicidade".
Certamente a tendência que tem mais crescido e aumentado seu mercado recentemente é a das "terapias de auto ajuda". Numa mistura de concepções de senso comum ou baseadas em teorias psicológicas, em pressupostos humanistas sobre a liberdade do homem e num estilo de administração empresarial nitidamente comportamentalista, esse discurso (que soa como o de um pastor protestante americano, e isto é mais do que uma coincidência) prega um paradoxal reforçamento do "eu" com uma submissão a um conjunto de regras de gerenciamento da própria vida.
Isso poderia ser designado como hiperindividualismo, e cultivá-lo é exatamente o contrário do que poderíamos esperar de qualquer psicologia científica. Essa afirmativa não parte de uma postura moral do tipo "não é direito pensarmos em nós como se fôssemos o centro do Universo". O problema é que de fato não somos, e a tarefa da ciência moderna tem sido sempre a de nos recordar que o Sol não gira em torno da Terra. Embora pareça.
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FONTE: Figuiredo, L. C. M. & de Santi, P. L. R. Psicologia: Uma (nova) introdução. São Paulo: EDUC, 2004. Páginas 85 a 88.
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Já diziam os antigos...
"Um técnico de laboratório podem ser encarado como uma criança face a face com fenômenos que o impressionam da mesma forma que um conto de fadas." Marie Curie