sábado, 25 de junho de 2005

No meio do caminho tinha um relatório, tinha um relatório no meio do caminho...

Olá!
Estranhou a empolgação, depois de décadas (o tempo corre maioooooor rápido na Internet) de omissão?
É, eu continuo empolgado com meu pequeno porém obstinado portal de informações e artes do (meu) interesse geral, mesmo com mais de um mês seu atualizações.
Pois "daqui pra frente, tudo vai ser diferente"! A partir de hoje eu farei esforços homéricos para atualizar este boteco da intelectualidade humana semanalmente. Além do que, se um simples cartaz xerocado de festa junina de repúbliqueta universitária faz uma pessoa pacata dilacerar o braço de um inocente (...), imagine mais uma semana de atraso!
Franklins à parte, eu vou fazer duas postagens. Vou postar uma crônica, de 2003, que eu fiz pra um trabalho de escola e que é minha única produção desse tipo. Resumindo, é o meu xodó. A outra postagem é um artigo de Ricardo Monteiro, escrito especialmente para a reportagem especial de capa "O poder da música", da revista "Viver Mente & Cérebro" de junho desse ano, sobre uma origem comum do samba e do tango (Hermanos, pero no mucho...).
E, pra terminar, uma frase que vai deixar muita gente de cabelo em pé por aí quando ouvirem rádio de novo...
Então, leiam, comentem (no caso do artigo) e critiquem ou elogiem (a esperança é a última que morre, no caso da minha modesta crônica)!
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O maestro

Sou um músico amador, e como grande parte dos músicos amadores toca em bandas amadoras, eu toco numa banda amadora.E a banda na qual eu toco faz apresentações em muitos lugares diferentes. No centro ou no subúrbio, a banda toca. E, principalmente no subúrbio, há muitas pessoas pobres, “prestigiando-nos”. As crianças da platéia (principalmente as pobres) imitam o maestro enquanto ele nos rege. Elas se divertem, mexendo seus bracinhos pra lá e pra cá, fazendo cara de “superior” e quase fazendo os músicos rirem. Bem o maestro fica furibundo, mas elas continuam (o maestro não é mal-educado o bastante para gritar com aquelas crianças).
De vez em quando, eu penso que aquelas criancinhas não têm educação, são pentelhas demais. Mas eu também noto aquela carinha superior, de alguém que nunca foi e dificilmente será superior a alguém. Aquele sentimento de recompensa, de fazer algo que não é peculiar à sua diminuta vida, inferiorizada pela massacrante sociedade que “fica” sobre suas cabeças.
Melhor. Seria um sentimento de liberdade, das correntes apertadas nas quais a média-alta burguesia as prende; da liberdade da eterna inferioridade... “Maestro, comandante, quase rei”. Imita-lo é uma diversão, e além disso uma sensação temporária de importância.
Isso! Achei a palavrinha que explica tudo! Sentir-se importante. E por que não!? Coordenar algo, como o maestro coordena a banda. Talvez porque os pais trabalham fora e a empregada bate nela. Na criança, é claro! Ao imitar o “nobre ato de reger” ela deve se sentir importante, valorizada... E, assim, feliz por alguém notar suas atitudes um tanto engraçadas à frente da banda.
Mas eu queria que todos se sentissem importantes. Como o maestro. Igualdade também seria uma palavra legal. Mas seria enfadonho.
Termino por aqui. Até outra crônica.

Lucas do Carmo Lima

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ESPECIAL - O poder da música

Mano a mano

Dois ritmos de origem popular que foram promovidos a símbolos de seus países, o samba e o tango guardam origens comuns e trajetórias que se confundem com o estabelecimento da identidade nacional de Brasil e Argentina

Por Ricardo Monteiro

Brasil e Argentina presentearam o mundo, no século XX, com duas formas de expressão concional de inesgotávelriqueza e variedade estética: o samba e o tango. Ambas nasceram nos extratos inferiores da pirâmide social, com caráter marcadamente local - e ambas alçaram vôo no exterior, até atingir o estatuto da universalidade.

Ao descrever assim a trajetória do tango e do samba, pode parecer que estamos insinuando algum tipo de paralelismo na história dessas duas manifestações tão distintas. Pois deixemos as insinuações e passemos a afirmações concretas.

Foi sobretudo na segunda metade do século XIX que se consolidaram, tanto no Brasil quanto na Argentina, formas de expressão urbanas marcadas estilisticamente pela afirmação de uma certa identidade cultural nacional. Como um eco distante dos nacionalismos que vicejaram pela Europa do século XIX, valorizaram-se os antes desprestigiados elementos rítmicos, fraseológicos e poéticos característicos da prática musical popular dos dois países - elementos cuja desgraça e glória se deveu precisamente ao fato de evidenciarem as marcas da complexa miscigenação racial, social e cultural que estão na origem das duas nações. Assim, no final do século XIX e início do século XX, o maxixe no Brasil e o tango na Argentina - consideradas formas de expressão grosseiras, pobres e, sobretudo, indecorosas - passaram de uma situação marginal para a condição de música dançada, cantada e decantada nos salões de baile das elites dos respectivos países.

Todavia, não era raro que músicas brasileiras clasificáveis facilmente como maxixes recebessem em suas partituras o rótulo de "polca", "tango"ou "tango brasileiro". Na verdade, analisando-se somente as partituras, sem saber qual sua procedência, é por vezes impossível distinguir a a nacionalidade de um certo gênero sincopado de música urbana que foi bastante comum no Brasil, Uruguai e Argentina entre o final do século XIX e o princípio do XX. Por sinal, embora isso possa soar como uma heresia, cabe lembrar que Ernesto Nazareth, a quem o choro deve algumas de suas mais belas partituras (como Odeon e Apanhei-te, cavaquinho), costumava classificar suas composições não como "choros", mas como "tangos brasileiros". Assim, a denominação "tango brasileiro" chama a atenção para o fato de que, pelo menos no que diz respeito ao nome, compunham-se tangos indistintamente no Brasil e na Argentina. Ora, se o maxixe está nas raízes do samba urbano do século XX (a rigor, aquele que é considerado o primeiro samba a ser gravado, Pelo telefone, é na verdade um maxixe), teriam o tango e o samba - este, por meio do maxixe - uma origem comum?

Ao verificarmos com cuidado as partituras de fins do século XIX e princípios do XX, observamos que as contrapartidas portenhas do "tango brasileiro"não vêm classificadas simplesmente com o rótulo de "tango", mas como "tango argentino"- ou mesmo como polka ou habanera. Isso porque um certo gênero musical chamado "tango" nascera no final do século XVIII no Caribe - mais precisamente, no Haiti e em Cuba - emigrando posteriormente para a Espanha, onde se consolidou no chamado "tango andaluz". Mas, se o "tango andaluz" pode estar nas origens do uso do termo "tango" para designar diferentes estilos musicais em países como Brasil e Argentina, tanto o tango argentino quanto o brasileiro apresentavam uma forte influência de outro gênero musical do Novo Mundo: a habanera, de origem cubana. Dela, ambos herdaram seu desenho rítmico fundamental:

Já quanto à polêmica a respeito das origens dos termos "samba" e "tango", as evidêcias, com o passar dos anos e o acumular de pesquisas, vêm apontandocada vez mais para o óbvio: a origem africana. Nosso "samba" se originaria ou do termo quimbundo (uma das principais línguas faladas em Angola) semba - dança similar à nossa umbigada - ou de samba, palavra cuja raiz se relaciona à ação de rezar. Como nos cultos afro-brasileiros a dança está tão próxima à religiosidade, samba e semba, em vez de se mostrarem como origens contraditórias para nosso termo samba, apontam para o caráter complementar e indissociável dos cultos religiosos e das festas na cultura negra do Brasil.

No que diz respeito à palavra tango, seu sentido predominante, como aponta Andrés Carretero em Tango, testigo nacional, é de "reunião de negros para bailar ao som dos tambores". Assim, as palavras do grande escritor e intelectual argentino Blás Matamoro, argumentando que "ninguém sabe o que tango queria dizer na África", perdem hoje força diante da corrente de musicólogos angolanos que acredita ser evidente a relação entre o termo tango e o quimbundo tanga, que quer dizer festa.

Baseados nisso, podemos inferir de imediato que o samba e o tango são, técnica e historicamente falando, expressões musicais "irmãs". Tecnicamente, porque herdaram ambos de uma mesma matriz, a habanera, seus fundamentos rítmicos. Historicamente, porque são gêneros que provêm da fusão de elementos europeus e africanos em dois países vizinhos, basicamente na mesma época, entre o último quartel do século XIX e o primeiro do século XX.

O paralelismo histórico entre tango e samba não se resume, porém, a suas origens. O ano do 1917 marca não só a gravação daquele que é considerado o primeiro samba, mas também do primeiro tango a ser cantado: Mi noche triste, por Carlos Gardel. Tango e samba conheceram, nos anos de 1940, o esplendor de sua "época de Ouro" - inclusive, a mesma expressão aparece nos dois países.

Mas, se há similaridades muito maiores e mais significativas do que as que foram citadas até aqui, um abismo separa o mundo representado no imaginário de cada um desses dois estilos: por um lado, a vocação trágica do tango; por outro, a veia cômica do samba. Como dois trajetos tão parecidos podem ter levado a lugares tão diferentes? É precisamente essa a questão que procuramos, musicólogos brasileiros e argentinos, desvendar em nossas pesquisas atuais.

PARA CONHECER MAIS:

Tango, testigo nacional. Andrés Carretero. Ediciones Continiente, 1999.

Histótia social da música popular brasileira. José Ramos Tinhorão. Ed. 34, 2004.

Cosas de negros. Vicente Rossi. Taurus, 2001.

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RICARDO MONTEIRO é copmpositor e doutor em semiótica pala Universidade de São Paulo. Além de manter carreira artística nas áreas teatral e musical, desenvolve pesquisas em semioótica musical e história da música popular brasileira. É professor de pós-graduação da Universidade Anhembi-Morumbi e da Faculdade de Música Carlos Gomes. Atua também como maestro da BigBand do CEU Meninos, em São Paulo.

FONTE: Revista Viver Mente & Cérebro, ano XIII nº 149, de junho de 2005; páginas 74 e 75. Site: www.vivermentecerebro.com.br . ISSN 1807-1562. Duetto Editorial, São Paulo, SP, Brasil.

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Já diziam os antigos...

"Para controlar um povo, controle sua música." Platão