terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mercadores de seda

Tragam a seda!

Hoje, debaixo deste céu, debaixo de tudo que há de mais sagrado, sobre o mais degradante profanato, rasga tua seda!
Não pisca, não, que perdes teu tempo!
Não foge da turba, não foge de tua companhia!
Tira tuas tesouras e rasga-te toda, toda seda!

Quanto melhor, mais! Não percam tempo, senhoras e senhores, venham!

Qual será tão espetacular evento quanto este, que te transborda pelos poros, assim, tão deprimente? Quando há de haver outra safra de seda tão, às vistas, generosa? Ainda não nasceu a testemunha de outra oportunidade como esta! Vem, não vacila! Vai ao que interessa, vai à seda!

Deixem que as lagartas façam seu serviço fiador, fiador desta fartura toda! Esqueçam-nas! Lembrar gasta tempo, tempo de picar toda essa luz tecida, a seda toda, toda, toda!

Olha os rostos, podres de êxtase! Onde viste tanta beleza antes, tanta alegria? Toma este punhal e te ocupa dessa tua rara seda! Corta toda! Vai, corta e corta mais!

Estão fartos, senhoras e senhores?

Vai, não para, vara essa noite, vara essa seda!

Estão fartos, senhoras e senhores?

Não guarda nada contigo, nada que não sirva de lâmina, nada que não preste de navalha! Nada de valor te será de proveito que não tenhas nas pontas dos dedos ou entre os caninos! Te esquece dessa ideia de pensar - pensar doí, penas para poder pensar! Nenhuma dor lhe será boa que não seja aquela... Aquela dor do corte em falso, em cheio, da faca que está cega de tanta seda! Cega como tudo e como todos aqueles que ouves agora, a turba sedenta, sarnenta, insaciável. Tua companhia te largou, acharam outro para cegar, e chegarão a outro porto, outra turba. Tua escravidão acabou, pois sua companhia o largou, tua própria companhia, aquela que deixaste te comprar por seda.

Ouço gritos, senhores? Ouço, senhoras? Pois, então, calem-se! A seda se foi.

Mas, ouve, ouve bem e não se esqueça: tua seda também acabou. Tuas mãos já não sentem nada, acostumaram-se com a voracidade das tuas lâminas e a desgovernança de seus movimentos. Calejaste para tudo que pudesse te distrair da seda. Aliás, nem da seda sentirás mais nada. Nem falta - como sentirás falta de algo que nunca tiveste?

Senhoras e senhores, larguem as tesouras pontudas que seguram entre esses dedos tortos, inchados, desvalidos, e ouçam: não verão, mas há um belo por-de-sol ao longo do mar, nos confins do horizonte, à beira do mundo. Seguiremos, eu e minha companhia, até o próximo porto, e encontraremos tolos tais que cederão às nossas preciosas sedas. Adeus!

Mas não te preocupes, caro tolo, que não terão problemas, jamais, nossos tolos, assim como tu e a turba que te cerca. A seda não é nosso negócio; é toda tua e de cada um da desastrada e esquecida turba, sempre foi. Minha companhia não é besta: vendemos, a todos que quiserem, as lâminas.